Senado tem de aprovar restrições a alimentos ultraprocessados

17.05.22


O Globo, Por Marcello Fragano Baird e Bruna Kulik Hassan

O Brasil está com todas as oportunidades de dar passos importantes rumo a um dos temas mais prementes da saúde pública global: a regulação dos alimentos ultraprocessados, como bebidas adoçadas artificialmente, biscoitos recheados e salgadinhos. A ciência já estabeleceu que o consumo desses alimentos é fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão.

O exemplo do controle do tabaco é elucidativo. Com medidas regulatórias, como ambientes livres de fumo, aumento de tributos e restrição da publicidade, o país controlou a epidemia de tabagismo e fez a prevalência de fumantes cair de 34,8% para 12,6% em 30 anos, tornando-se referência internacional.

O Brasil poderia ter se tornado modelo também na regulação dos ultraprocessados, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária buscou disciplinar a publicidade desses alimentos, tema judicializado desde 2010. Somente em 2020, conseguiu aprovar a advertência nos rótulos desses produtos, que entra em vigor em outubro próximo.

Embora seja um avanço importante, que alinha o Brasil a países vizinhos como Argentina e Chile, a medida será insuficiente para conter a obesidade no país, que só cresce. Precisamos implementar medidas abrangentes, preconizadas por organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, como a restrição da venda de produtos não saudáveis em escolas e o aumento de tributos.
O Senado Federal tem a possibilidade de dar uma importante sinalização à sociedade, especialmente neste momento em que, com o arrefecimento da pandemia, as doenças crônicas voltam a ser a principal causa de morte da população.

Lá tramitam dois importantes projetos de lei: o primeiro é o PLS 9/2017, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que proíbe a venda de refrigerantes nas escolas e impõe advertências em seus rótulos, medida com amplo apoio da população, segundo pesquisa Datafolha, que revelou que 80% das pessoas são contrárias à venda de bebidas adoçadas nas cantinas das escolas. O projeto aguarda, desde o fim do ano passado, deliberação no plenário, cuja definição cabe ao presidente da Casa e aos líderes partidários.


O outro projeto é o 2183/2019, de autoria do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que cria um tributo sobre bebidas açucaradas. Seguindo a experiência internacional, já alcança mais de 50 países, como França e México, e tem como objetivo reduzir o consumo desses produtos, aumentar o de mais saudáveis, e ainda garantir nova fonte de recursos para o SUS. O consumo dessas bebidas é responsável pelo excesso de peso de cerca de 2,2 milhões de adultos e 721 mil crianças e adolescentes, o que representa um custo anual de quase R$ 3 bilhões para o SUS.

Uma simulação observou que o aumento de 20% no preço de alimentos ultraprocessados reduziria em 11,8% a prevalência de obesidade da população. Estudo da Fipe identificou que um tributo para bebidas adoçadas aos moldes da Cide, com uma alíquota de 20%, conforme recomenda a OMS, geraria acréscimo de R$ 2,4 bilhões no PIB, a criação de 69 mil novos empregos e a arrecadação de R$ 4,7 bilhões em impostos.

Os efeitos econômicos positivos decorreriam da mudança no padrão de consumo da população, que passaria a consumir produtos mais saudáveis, como o leite, estimulando, assim, essa cadeia produtiva. Os fatos falam por si e revelam a responsabilidade que têm diante de si os senadores da Comissão de Assuntos Sociais, que devem votar hoje parecer favorável da senadora Zenaide Maia (Pros-RN) ao PL 2183/2019. Será a primeira votação de um projeto desta natureza no país.


A regulação dos ultraprocessados estará no centro do debate público nas próximas décadas. Não há mais como desviar do assunto quando se trata de garantir uma alimentação adequada e saudável à população. Resta saber quão rápido o país vai se sintonizar ao resto do mundo e dar as necessárias respostas políticas a um problema urgente de saúde pública. Com a palavra, os senadores.

*Cientista político e coordenador de políticas públicas na ACT Promoção da Saúde

**Nutricionista e pesquisadora em saúde pública da ACT Promoção da Saúde

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/senado-tem-de-aprovar-restricoes-alimentos-ultraprocessados.html




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